Por Marcelo S. Norberto
Depois de um esforço tremendo para nos afastarmos da moral e de sua abstração (abstrata porque quer explicar como viver a partir de idéias, de modelos, e não pelo exercício, pela atuação, pela utilidade – enfim, através do que efetivamente existe), depois de uma árdua conquista da objetividade científica, que gerou um progresso sem precedente e nos trouxe tecnologias que garantem o conforto e nos traz longevidade, segurança, capacidade de repetir e obter os mesmos resultados, por que voltar à moral?
Fica a impressão de que o retorno a questão da moral nos leva a uma posição incômoda, como que, para isso, tenhamos que negar todo o avanço do último séc. e meio… Este incômodo e mal-estar são verdadeiros e fazem parte de um processo que Nietzsche nos convida a seguir: o de estranhar nosso tempo para, assim, melhor compreendê-lo.
O assombro que sentimos ao termos contato com o pensamento de Nietzsche (conjugado com um fascínio, é verdade, por uma sedução pela singularidade de seu pensamento) é antes um sinal de ingresso em seu desconcertante caminho de reflexão, do que de incompreensão ou mesmo de incapacidade de entendimento. Ler Nietzsche é persistir neste estranhamento, é se permitir ser exposto a uma outra forma de apreensão da existência, da cultura, do nosso tempo. Isso porque o deslocamento proposto por Nietzsche em torno do tema da moral, essa estranheza causada pelo recurso a noções tão repugnantes e por isso mesmo tidas como insignificantes, como o ressentimento, a culpa ou mesmo fracasso, nos permite vislumbrar, através do pensamento nietzschiano, uma crítica ao sujeito e a explicitação de efeitos concretos de uma cultura (a nossa) onde há uma racionalidade exacerbada que parece eclipsar outras dimensões de vida possíveis.
(06 de Maio de 2022)