Não há monopólio no pensamento. Trata-se de uma noção muito estreita de filosofia aquela que a conforma ao campo restrito de uma elaboração metodológica ou mesmo da aplicação de uma teoria. Da mesma forma que não é possível se falar, com honestidade, de certo ou errado em filosofia, justamente pela falta de parâmetros inquestionáveis, ou, em uma linguagem cartesiana, critérios sobre os quais não se possa duvidar.

Longe de ser uma debilidade, a constatação de uma indeterminação prévia no exercício filosófico (que não se exaure com um método ou sistema instituído) nos indica sua efetiva atuação: a de um esforço de abertura ao problema estudado, a de uma tentativa de expansão de compreensão e, assim, a de um ensaio para melhor entendimento da realidade. Neste sentido, torna-se tão relevante uma leitura detida de um texto quanto ser cioso com a trama tecida entre as mais diversas áreas que compõem uma cultura. A filosofia está no estabelecimento de relações entre a questão trabalhada e o mundo que a cerca, na reflexão que se demora nos detalhes que passam despercebidos aos olhares frenéticos contemporâneos, nas hipóteses que ambicionam expor a ordem das coisas, na busca por um sentido que torne o acaso uma singularidade.

Assim o é porque fazer filosofia não é responder a nada, mas, ao contrário, é saber fazer a pergunta, é tentar compreender a realidade para, com rigor, interrogar a si e ao mundo sobre sua razão de ser. Este é o caráter político de toda a filosofia, sua dimensão coletiva, pública do pensamento, pois, ao se questionar sobre algo (o que é a liberdade? O que é a loucura?, etc.), expomos a realidade, mostramos a nós mesmos a nossa realidade (como lidamos com as pessoas consideradas loucas? Como dividimos as pessoas em normais e doentes? Como admitimos certas atitudes em nome da liberdade e atacamos outras também em nome da mesma liberdade? – o problema da democracia, por exemplo).

Junto com esta exposição da realidade, há também, no exercício filosófico, um caráter ético, presente em todos os autores e em todos os pensamentos, independente deles terem consciência disso ou não. Trata-se do fato de que, ao conhecermos melhor o nosso tempo, ao interpretarmos como vivemos e como nos organizamos (conhecendo nossa sociedade, nossa religiosidade, nossa cultura, nossas leis, etc.), nos transformamos. Através da filosofia, expomos a nós a nossa realidade e, ao fazermos isso, evidenciamos, junto, nós a nós mesmos. Esse conhecimento de si nos leva sempre a uma certa transformação. Ninguém fica imune, inalterado, ao se deparar com a própria realidade. Este é o caráter ético presente no pensamento.

 

Por Marcelo S. Norberto

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